FALANDO SOBRE EDUCAÇÃO...

"As crianças são seres sociais, têm uma história, pertencem a uma classe social, estabelecem relações segundo seu contexto de origem, têm uma linguagem, ocupam um espaço geográfico e são valorizadas de acordo com os padrões do seu contexto familiar e com a sua própria inserção nesse contexto. Elas são pessoas, enraizadas num todo social que as envolve e que nelas imprime padrões de autoridade, linguagem, costumes."

Sonia Kramer

FONTE: http://www.mre.gov.br/dc/textos/revista7-mat8.pdf

terça-feira, 22 de maio de 2012

6ª CRE_DESAFIOS - PSE - NSEC 06: Professor precisa abrir a cabeça, diz José Pacheco...

http://portal.aprendiz.uol.com.br/ Professor precisa abrir a cabeça, diz José Pacheco: Por Patrícia Gomes, do Porvir Depois de já ter revolucionado os moldes tradicionais de ensino na Escola da Ponte, o professor português José Pacheco, hoje um estudioso da realidade brasileira, aposta na mudança de mentalidade dos professores e no apoio dos governos para haver inovação em educação. Segundo o educador, é preciso que as iniciativas isoladas que ele tem visto pelo país sejam registradas, avaliadas e incentivadas para não serem perdidas. Mais que isso: os professores devem se dispor a mudar para adotar uma postura mais descentralizada, aberta à reflexão, ao diálogo e à diversidade. Pacheco se tornou mundialmente conhecido por transformar uma escola pública portuguesa, a Ponte, com uma metodologia ousada: ele acabou com turmas, salas de aula, disciplinas e passou a ensinar conforme a motivação dos alunos. Lá, são os próprios estudantes que se organizam em grupos heterogêneos para estudar os assuntos que lhes interessam, são autônomos para pesquisar, apresentar os resultados para os colegas e, quando se sentem prontos, avisam que podem ser avaliados. O educador já está aposentado, mas sua proposta pedagógica continua sendo aplicada na Ponte e é replicada em vários países, inclusive no Brasil. Veja Também: As crianças fazem as leis Nem letras nem sílabas… Onde mora a inteligência Como o senhor definiria inovação em educação? Os arquivos das universidades estão repletos de teses sobre inovação. Sendo um termo de vasto espectro semântico, eu poderia escolher uma definição qualquer e escrever aqui, mas não farei. Prefiro dizer que, no campo teórico da educação, já tudo foi inventado e que as teses são meras reproduções de teorias… Na prática, aquilo que tem sido considerado inovação não tem sido avaliado e, quase sempre, tem consistido apenas em pequenas mudanças num modelo educacional hegemônico e obsoleto. Esse modelo, dito “tradicional”, aquele em que é suposto ser possível transmitir conhecimento faliu muito tempo atrás. Nós, brasileiros, somos um povo aberto para inovação? Sem dúvida que a mistura genética deu origem a um povo criativo. Acompanho algumas práticas embrionárias que provam a capacidade inventiva dos professores brasileiros. São iniciativas que partem de desejos e necessidades sentidas pelos atores locais. Essas práticas (talvez inovadoras) requerem descentralização, questionamento do modelo de relação hierárquica, negociação e contrato, respeito pela diversidade. Tais projetos poderiam constituir-se em oportunidade de mudança, mas o poder criativo não encontra acolhimento junto daqueles a quem compete gerir o sistema. Urge inovar, mas como pode acontecer inovação, se quem decide não tem consciência dessa necessidade? O que de mais inovador o senhor tem visto pelas suas viagens pelo Brasil? Tenho visto o trabalho discreto de muitos professores. Um trabalho que talvez mereça ser considerado inovador, mas que, por não ser apoiado pelo poder público, nem avaliado, se perde, quando os professores desistem de querer mudar as escolas, quando desistem de fazer das crianças seres mais sábios e pessoas mais felizes. Existe mais abertura hoje para projetos que desconstroem a escola tradicional, como a Escola da Ponte ou a Educação Ativa? Existe abertura por parte de educadores atentos à tragédia educacional brasileira. Há dados que mostram que há alunos que chegam ao ensino médio analfabetos ou incapazes de fazer uma interpretação de texto. As escolas se converteram ao mundo digital, mas mantêm e reforçam práticas de ensino obsoletas, o improviso e o imediatismo das “novas” práticas faz prosperar o insucesso. Urge instituir novas e autonômicas formas de organização das escolas, mas também recuperar práticas antigas, sem a tentação de clonar a escola da Ponte ou adotar modismos. Há muitos educadores com um estatuto social degradado, mal remunerados, mas que não desistem de desconstruir o modelo tradicional, de tentar melhorar, melhorando a escola. Eles sabem que o Brasil progredirá através da educação. Mas não aquela educação de que é feita a retórica de político… Onde estão as principais barreiras para inovar? Nas escolas, entre professores, governantes, pais ou alunos? A mudança em educação é um processo complexo e moroso: para grandes metas, pequenos passos. Urge buscar uma escola do conhecimento e abandonar um ensino meramente transmissivo, fomentar a organização do acesso à informação e a aprendizagem do uso do conhecimento. A mudança das instituições passa pela transformação das pessoas que as mantêm. Estabeleça-se uma práxis pautada numa ética da responsabilidade e numa relação dialógica. Que se recuse ideias feitas e se escape à síndrome do pensamento único. A formação dos professores é deficiente. As escolas são geridas numa racionalidade administrativa e burocrática. Mas o principal obstáculo é o professor, quando assume que o ato de educar é um ato solitário, quando recusa reelaborar a sua cultura pessoal e profissional, no exercício da convivencialidade.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Portal Ciência & Vida - Filosofia, História, Psicologia e Sociologia - Editora Escala.

Para Ler e Compreender


As implicações da dislexia na leitura e no desenvolvimento do leitor (e como diferenciar o problema de outros déficits normais ao longo do aprendizado)

 

A leitura é fundamental para o desenvolvimento humano. Para que a leitura decorra tranquilamente, é necessário que a criança já tenha desenvolvido algumas habilidades linguísticas. Para o processo de compreender, é importante extrair significados, correlacioná-los ao conhecimento de mundo, realizar inferências - habilidades que devem estar presentes também na língua oral. Mas não é só. Pelo menos nos primeiros anos de alfabetização, a compreensão depende da fluência da leitura (evitando um padrão muito segmentado que sobrecarregue a memória operacional), assim como da qualidade da leitura em termos de exatidão (precisão, ler as palavras corretamente, sem adivinhações ou trocas exacerbadas)1. As crianças hoje em dia não vão mais à escola com o objetivo único de se alfabetizar, pois há muito mais exigências sociais e culturais numa sociedade moderna e letrada. Nesta perspectiva, leitura é uma atividade plural e tem, no mínimo, três frentes a serem consideradas2:
1 - A frente instrumental da atividade de leitura: um leitor confrontado com um texto vai criar uma série de operações, de processos cognitivos, que são estratégias para identificar palavras escritas.
2 - A frente da compreensão da atividade de leitura: as operações, os métodos que o leitor lança mão diante de um texto, têm uma finalidade, um objetivo imediato - entender o texto.
3 - A frente cultural da atividade de leitura: o leitor deve ter um projeto que ultrapasse seu objetivo imediato de compreensão, um projeto como leitor, que inclui o conhecimento explícito das várias funções da escrita, bem como das diversas práticas culturais de leitura.
PARA SABER MAIS
Ocorrências em diferentes idades
Mesmo considerando todas as variáveis, há características* gerais que costumam descrever comportamentos de indivíduos disléxicos, considerando que, quando são listados sinais de alerta, não é necessário ter todos, como também é necessário ter a clareza de entender que várias características fazem parte da evolução. É preciso ficar atento quando elas se tornam persistentes e passam a atrapalhar alguma área do desenvolvimento.
SINAIS NAS FASES ESCOLARES
ANTES DA ESCOLARIZAÇÃO FORMAL
Possibilidade de atraso de linguagem.
Palavras pronunciadas incorretamente; persistência de fala infantilizada.
Dificuldade em nomeação (lembrar o nome das palavras).
Dificuldade em aprender e lembrar o nome das letras. Falha em entender que palavras podem ser divididas (jogos com sílabas, rimas).

INÍCIO DA ESCOLARIZAÇÃO FORMAL
Dificuldade de alfabetização.
Na leitura: processo feito sob esforço, sem automatismo; leitura oral entrecortada, com pouca entonação; tropeços e adivinhações de palavras.
Na escrita: omissões, trocas, inversões de grafemas (exemplos: trocas como p/b, t/d, k/g, f/v, s/z, x/j; inversões como PARIA por PRAIA; omissões como TRITA por TRINTA); dificuldades para se expressar pelo sistema escrito.

COM O AVANÇAR DA ESCOLARIDADE
Dificuldade para aprender outros idiomas.
Na leitura: processamento mais lento que os pares, prejudicando compreensão (nesta fase, mais visível na leitura silenciosa); dificuldade em ler legendas.
Na escrita: persistência de falhas ortográficas; dificuldade na organização e elaboração de textos escritos.

*Todas estas características devem apresentar discrepância em relação ao potencial que os indivíduos mostram oralmente, tanto em termos de compreensão quanto de expressão da linguagem. Elas também devem contrastar com o nível de aprendizado de seus pares que tenham as mesmas oportunidades.
Agora imaginemos, em um esforço de reflexão, nessa mesma cultura letrada: como ficam as crianças que têm dificuldade já na primeira frente da leitura? por que alguns podem ter dificuldade para ler se falam tão bem? por que para algumas crianças inteligentes a leitura é uma tarefa árdua? por que o processo de aprendizagem não acontece da mesma forma que com seus pares? por que os padrões de leitura e escrita iniciais mostram- se tão persistentes? os motivos são diversos, até porque o processo ensino-aprendizagem é multifatorial. entretanto, uma parte dos escolares pode ter dislexia. A dificuldade do sujeito com dislexia é justamente manter uma leitura fluente e precisa, que permita interpretar um texto lido de forma tão competente quanto o faz na linguagem oral. essa dificuldade na interpretação de textos lidos pode afetar toda a escolaridade, extrapolando os limites da Língua portuguesa para as demais disciplinas.

Quanto mais opaca uma língua (menos correspondências regulares entre fonema e grafema, como no inglês), maior a prevalência da dislexia

Decodificar: o primeiro passo

Certamente uma leitura baseada somente em seus aspectos mecânicos será insuficiente: decodificador e leitor não são sinônimos. O objetivo da leitura, que é compreender, interpretar, estabelecer relações e realizar inferências, fica prejudicado. Entretanto, as funções de identificar letras e reconhecer palavras são específicas da leitura e, portanto, fundamentais para esta.
Existem vários modelos explicativos sobre o desenvolvimento da leitura e da escrita. Para compreendermos melhor por onde passa o entrave da dislexia, vamos observar o modelo genético de Uta Frith3. A autora descreveu três estratégias, pelas quais todas as crianças passariam durante o processo de aprendizagem da leitura e da escrita.
IMAGENS: SHUTTERSTOCK / DIVULGAÇÃO
Tratamento por faixa etária
Ao diagnóstico preciso, em qualquer idade, incluindo a fase adulta, pode se suceder um tratamento eficaz, adequado à faixa etária do indivíduo. Qualquer idade, sendo adulto ou jovem, terá atendimento adequado (...).
Muitas vezes, antes do primeiro ano de alfabetização, poderá ocorrer um 'quadro de risco', ou seja, poderá não ser confirmada a dislexia, mas também não se descartam outros fatores. Podemos sugerir um acompanhamento adequado e fazer uma observação mais cuidadosa, até podermos diagnosticar com precisão após a alfabetização se há, de fato, a presença de um quadro de dislexia", recomenda também a Associação Brasileira de Dislexia (ABD).
A estratégia logográfica, primeiro estágio descrito, não apresenta um processo de leitura e escrita propriamente dito. O que acontece é uma correspondência global da palavra escrita com o respectivo significado, como a identificação de logotipos, baseada na memorização visual. Há produção instantânea das palavras, que são apresentadas de acordo com suas características gráficas, sem possibilidade de análise. Crianças nesta etapa não percebem que as palavras PATO e PACA começam com a mesma sílaba. Como exemplo, podemos descrever a "leitura" do próprio nome, de produtos comuns no seu dia a dia, de logotipos de redes de lojas, dentre outros.
Na estratégia alfabética, a criança já descobre a base do sistema de escrita alfabético, ou seja, a relação entre sons e as letras que podem representá-los. Para isso, já desenvolveu a habilidade de segmentar a fala em unidades menores e de manipular tais elementos. Em outras palavras, jogos de linguagem em nível oral, como identificar palavras que começam iguais, que rimam, ou ainda como ficaria uma palavra se retirássemos uma sílaba, favorecem o processo, já que possibilitam generalizar a aprendizagem, em vez de se basear apenas na memorização de palavras. Nesta etapa, a criança precisa se ouvir para interpretar, e a escrita é baseada na oralidade, ou seja, escreve-se exatamente como se fala. Para exemplificar, pode-se escrever muito como MUINTO, e menino como MININU.
Já o leitor/escritor competente deverá lançar mão da Estratégia Alfabética. Nesta etapa, já devemos ter experiência suficiente com a leitura para montarmos um dicionário visual das palavras (léxico). Ao tentar ler, reconhecemos a palavra e acessamos diretamente este léxico, isto significa que estamos fazendo um acesso visual direto da palavra. Este tipo de processamento acelera a leitura e faz que acessemos o significado mais rapidamente. É também por meio desse dicionário mental que poderemos escrever corretamente as palavras irregulares, ou seja, aquelas em que não há correlação entre som e letra. Por exemplo, palavras como táxi, exercício, cenoura, poderiam ser escritas como TÁQUISSI, EZER- SÍCIO e SENOURA, se dependessem apenas de um processo de codificação. Ou ainda, sabemos o significado diferenciado das palavras CINTO e SINTO pela diferença da grafia, que para ser identificada depende de estar no léxico.
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As crianças hoje em dia não vão mais à escola com o objetivo único de se alfabetizar, pois há muito mais exigências sociais e culturais na sociedade moderna letrada
O disléxico fonológico, que corresponde à maioria absoluta dos casos comprovados, apresentaria uma dificuldade mais importante na Estratégia Alfabética. Alguns teriam dificuldade de chegar a esta fase, ficando presos a uma leitura do tipo logográfica (aquele grupo que apresenta bastante dificuldade para aprender a ler). Outros utilizariam a estratégia alfabética, mas com muita dificuldade, sob muito esforço. Por este motivo, leriam menos, apresentando, então, um dicionário mental (ou léxico) com um número reduzido de palavras. Consequentemente, a estratégia ortográfica ficaria secundariamente prejudicada. Neste contexto, falhas que podem fazer parte do desenvolvimento apresentam-se persistentes e coexistem com processos como substituições de ordem auditiva (exemplos: t X d; f X v) ou visual (exemplos: b X d; q X g).
Podemos sintetizar as últimas definições de dislexia descrevendo-a como um dos vários tipos de transtornos do aprendizado. Trata-se de uma dificuldade específica de linguagem, de origem constitucional, caracterizada por dificuldades na decodificação de palavras isoladas, normalmente refletindo insuficiência do processamento fonológico. Estas dificuldades na decodificação de palavras isoladas são muitas vezes inesperadas em relação à idade e outras habilidades cognitivas e acadêmicas. Ela é manifestada por dificuldades linguísticas variadas, incluindo, normalmente, para além das alterações de leitura, um problema com a aquisição da proficiência da escrita e da soletração 4.

Dificuldades e compensações


Vale ressaltar também que tais dificuldades podem surpreender a todos, até mesmo ao próprio sujeito, já que outras habilidades suas podem se desenvolver muito bem (às vezes como um mecanismo de compensação). Entre elas há que se destacar a memorização por imagens, a criatividade, a imaginação, a facilidade de raciocínio lógico e o pensamento científico aguçado. A heterogeneidade dentro deste grupo, que atinge não mais do que 10% da população, ainda é grande. Além dos vários tipos de dislexia, o grau de severidade e as estratégias compensatórias criadas para tentar superar o problema se diferenciam bastante uns dos outros1.
O sistema de escrita em jogo também é um ponto relevante na questão 4. Quanto mais opaca uma língua (menos correspondências regulares entre fonema e grafema, como o inglês), maior a prevalência da dislexia ou a extensão dos prejuízos, se comparado a línguas transparentes (como o português, por exemplo). A dislexia pode ou não vir acompanhada de outras dificuldades, como atenção e coordenação, por exemplo, mas estas não são as questões centrais4.
Pesquisadores expoentes na área resumiram algumas das descobertas mais importantes da pesquisa da dislexia nas últimas décadas. As evidências sugerem que, na maioria dos casos, déficits nas habilidades fonológicas associadas a déficits na codificação fonológica são as prováveis causas do distúrbio, e não alterações de ordem visual, semântica ou déficits sintáticos, apesar da possibilidade das dificuldades de leitura em algumas crianças estarem associadas a déficits gerais de linguagem. A hipótese de distúrbios nas habilidades de aprendizagem em geral (por exemplo, atenção, associação, aprendizagem) e déficits sensoriais de baixo nível têm fraca validade como fatores causais na dislexia4.


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Na estratégia logográfica de aprendizado, o que acontece é uma correspondência da palavra escrita com o respectivo significado, a identificação de logotipos e de coisas do cotidiano da criança

O(s) efeito(s) cascata

Efeito cascata é uma metáfora comumente utilizada para mostrar como uma situação, a princípio, bastante pontual, pode reverberar em outras tantas situações. Explica perfeitamente a dislexia. Fugindo de um pensamento linear, propomos a pluralidade do efeito cascata para mostrar reflexos de todos os lados. Em relação à linguagem, o efeito cascata diz respeito às consequências que o déficit fonológico, característico da dislexia, promove secundariamente em outros níveis da linguagem, como o sintático e o semântico. Em termos práticos, podemos dizer, por exemplo, que o prejuízo da decodificação acaba prejudicando a compreensão do texto lido4. Também podemos dizer que este mesmo déficit exige tanto do sujeito com dislexia numa produção de textos, que além das alterações no nível da palavra, a construção de textos pode acabar sendo prejudicada.

REPRODUÇÃO
Dissociar estigmas
Vários sites e fontes de informações sobre disléxicos divulgam uma lista de disléxicos famosos, como Agatha Christie, Albert Einstein, Tom Cruise, Walt Disney, dentre outros. Alguns deles confirmaram o próprio diagnóstico, em outros casos, são apenas suposições. No entanto, este tipo de divulgação pode ser útil para desmistificar esta dificuldade de leitura, dissociando-a de estigmas que costumam acompanhar crianças e adolescentes com dislexia, como o de preguiçosos ou intelectualmente limitados.
Estendendo a ideia para a escolaridade, podemos pensar que a dificuldade de leitura atrapalha o rendimento em outras disciplinas que dela dependem (basicamente todas!), apesar da possibilidade de aprender seus conceitos, se independentes da leitura, não representarem um problema para o estudante com dislexia. Ou ainda imaginar que responder a questões dissertativas torna- se uma tarefa com dificuldade multiplicada: além do conteúdo, ele deve estruturar a resposta, organizar em frases, pontuar, buscar o padrão ortográfico e escrever com letra cursiva.(1;4)
Mas o efeito cascata ainda não para por aí. Submetidos a uma situação usual de menos-valia e a uma sobrecarga de trabalho, a criança ou jovem com dislexia desenvolve uma baixa autoestima5. Uma vez fragilizados, crescem as chances de serem vítimas de bullying, lembrando que a escola, foco principal das intimidações continuadas, é justamente o local onde seu fracasso é evidenciado a todo o momento.

Os momentos de lazer com os filhos depois do trabalho são frequentemente substituídos por embates na hora do dever de casa

Paralelamente, a família fica estressada, os fins de semana ficam mais curtos, pois é necessário mais tempo para dedicar aos estudos, os momentos de lazer com os filhos depois de um dia de trabalho são frequentemente substituídos por embates constantes na hora do dever de casa. Situação que se reverte negativamente na criança, criando um círculo vicioso difícil de sair5.

Discutir, agir, intervir

Exatamente por todas as possibilidades de efeitos cascata ilustradas, é indispensável agir, discutir e intervir o mais precocemente possível. Por mais persistentes que se mostrem as dificuldades, o que no início parece não ter saída vai se diluindo de modo a não representar mais prejuízo ao desenvolvimento pessoal. A dislexia pode ser uma pedra no sapato, mas está longe de ser uma situação insolúvel.
PARA SABER MAIS
No cérebro
Ativação cerebral no leitor com e sem dificuldades de leitura7
BOM LEITOR      MAU LEITOR



1 - Bons leitores, quando leem, ativam a parte posterior do hemisfério esquerdo do cérebro, podendo atingir até certo ponto a parte frontal. Maus leitores revelam uma subativação relativa na região cerebral posterior e superestimulação na região anterior.

2 - A fim de compensar a dificuldade no processamento da leitura, maus leitores acabam por ativar o hemisfério direito, o que se torna desnecessário nos bons leitores. É relevante destacar que uma intervenção efetiva promove, nos maus leitores, a ativação das áreas antes subativadas.


7. SHAYWITZ, S. Entendendo a dislexia: um novo e completo programa para todos os níveis de problemas de leitura. Porto Alegre: Artmed, 2006.

O fonoaudiólogo deve fazer sempre parte da equipe terapêutica, que poderá contar com psicopedagogos e psicólogos

Comumente podemos encontrar em publicações que falam de critérios diagnósticos para dislexia que esta só pode ser confirmada após o segundo ano de escolarização formal. Essa precaução é para não desconsiderar as variações existentes durante o processo de aprendizagem do sistema alfabético. mas cuidado! Isso não quer dizer que devemos esperar passivamente esses dois anos!

Para a criança com dislexia, a escola é o local onde seu fracasso é evidenciado a todo o momento. A sobrecarga de trabalho e a sensação de menos valia podem desencadear baixa autoestima
Adaptações importantes
Especialistas de todo o mundo sugerem que as escolas que tenham crianças com dislexia possam fazer adaptações não só na forma de ensinar, proporcionando mais estímulos visuais e vivências concretas, como também na forma de avaliar, disponibilizando mais
tempo para a realização das provas, já que a leitura é mais lenta.
A palavra de ordem é intervir. A tendência, com base em trabalhos científicos, é a RTI (Response to Intervention)4. nesta perspectiva, programas de intervenção com habilidades cognitivolinguísticas têm não só o objetivo de minimizar o impacto dos entraves na leitura e na escrita de crianças que apresentam dificuldades de aprendizagem ou dislexia, mas também de ajudar a esclarecer o diagnóstico, ou seja, a não resposta a um programa específico explicitaria uma defasagem. esta, por sua vez, seria um forte indicador para dislexia, sendo necessário o encaminhamento para uma avaliação interdisciplinar para o esclarecimento diagnóstico. por se tratar de um déficit de base linguística, o fonoaudiólogo é um profissional que faz sempre parte da equipe terapêutica, que também poderá contar com a participação de psicopedagogos e psicólogos, em função da demanda específica. o papel da educação também é fundamental no processo. ALERTA: não existe medicação para dislexia. o acompanhamento é terapêutico e educacional.


Referências
1. MOUSINHO, R. "Problemas na Leitura e na Escrita e Dislexia". Revista SINPRO-Rio Desafio de Educar, n°5, 9-17, 2010.
2. CHAUVEAU, G. Comment l'Enfant Devient Lecteur. Pour une psychologie cognitive et culturelle de la lecture. Paris: RETZ, 1997.
3. FRITH, U. "Beneath the surface of developmental dyslexia". In PATERSON, K., MARSHALL, J., COLTHEART, M. (Org.). Surface dyslexia: neuropsychological and cognitive studies of phonological reading. Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum Associates, 1985.
4. MENDONÇA, L; MOUSINHO, R; CAPPELINI, S. (org). Dislexia: novos temas, novas perspectivas. Rio de Janeiro: Ed. Wak, 2011.
5. MOUSINHO, R. "Estresse em familiares de crianças com transtornos do aprendizado". Revista Tecer: Centro Universitário Isabela Hendrix, v.4 nº 6, 2011.


Renata Mousinho é fonoaudióloga e docente. Coordena o Projeto ELO: escrita, leitura e oralidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Possui doutorado e mestrado em Linguística e pós-doutorado em Psicologia pela mesma instituição.